Lutero, encurralado em sua tese sobre a salvação, tirou da cartola uma doutrina desastrosa: o sola scriptura.
O Contexto Histórico
O ano era 1517, e o contexto não podia ser pior para a Igreja de Cristo: mal se passara o Grande Cisma do Oriente e a Igreja já precisava lidar com o crescente nacionalismo europeu (e as intrigas políticas que daí surgiam), o fervilhar do renascimento e do humanismo e a decadência universitária e filosófica consequentes do nominalismo. Como se não bastasse tamanha cruz, um monge agostiniano, filho de Ockham, acabou de colocar fogo na Europa (e no mundo!) ao pregar, na porta da Igreja de Wittenberg, 95 teses, marcando o que se conhece hoje por Reforma Protestante.
A labareda diabólica lançada por Lutero desencadeou um verdadeiro incêndio em todo mundo: a unidade europeia, conquistada a grandes penas pelos heróis da fé, foi para as cucuias em poucos séculos, a Europa viu-se imersa em guerras religiosas e todo tipo de espécime religioso arrogou-se o direito de pregar suas loucuras e excessos. Tudo isso, é claro, em nome de Cristo e de um “autêntico” evangelho. Resumindo, o mundo entrou na mais completa anarquia.
A Origem do Sola Scriptura
“Minha consciência é cativa da Palavra de Deus”, bradou Lutero na dieta de Worms. O famoso princípio do Sola Scriptura firmava, então, suas raízes. O que poucos sabem, porém, é a origem e as consequências deste princípio, que é o sustentáculo de todo edifício protestante.
Ocorre que o pobre frade agostiniano estava em apuros. Sua tentativa de reformar a Igreja havia encontrado forte resistência, e ele se viu em debates cada vez mais acirrados com as autoridades clericais, sobretudo, acerca da teologia da salvação. Na salvação, debatiam eles, Deus torna as pessoas justas, ou Ele apenas as rotula como justas? Lutero ensinou o último, doutrina que foi condenada pela Igreja.
Rejeitar a decisão da Igreja significava rejeitar a autoridade sobre a qual se fundava o cristianismo até então, e Lutero estava preparado para fazê-lo. No entanto, isso não era tão simples. Afinal, com qual base ele poderia sustentar sua nova teologia? Apesar de ser conhecido por sua fanfarronice, ele não podia simplesmente se levantar e dizer: “Eu sei mais do que a Igreja sobre o plano de salvação de Deus, pois Ele falou diretamente comigo e me deu sabedoria e discernimento”. Ele teria sido ignorado ou desprezado no palco da história, pelo menos naquele momento.
Em vez disso, ele defendeu suas crenças dizendo que a autoridade em que se fundava não era a Igreja Católica e a compreensão das Escrituras feita pela Igreja, mas somente a Escritura, Sola Scriptura:
“Considero-me convencido pelo testemunho da Sagrada Escritura, que é minha base: minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Assim não posso e não quero retratar. . . Deus me ajude!”.
As Consequências do Sola Scriptura
Artifício genial! Como ninguém havia pensado nisso antes!?? Tradição, bispos, papa, magistério, sacramentos… para que esses acessórios ultrapassados? Temos as Escrituras e isso basta…
Na verdade, já haviam pensado nisso. Os hereges arianos tentaram, séculos antes de Lutero, enfiar goela abaixo da Igreja algo análogo ao Sola Scriptura. Foram, porém, prontamente refutados pelos santos padres da Igreja, sobretudo Santo Atanásio. O diabo é o macaco de Deus e não cria nada de novo: a realidade é que os erros novos não diferem em nada dos antigos, senão no acessório.
Essa “sacada genial” de Lutero, capaz de enganar tanta gente boa e inteligente, não é sem consequências. Apesar de parecer inocente e de supostamente tirar o monopólio da verdade das mãos de clérigos corruptos, devolvendo-a ao Deus das Escrituras, ela foi responsável pelo maior desastre religioso que se tem notícias. O próprio Lutero é quem declara:
Este não escuta sobre o Batismo, aquele nega o sacramento (…); alguns ensinam que Cristo não é Deus, alguns dizem isto e alguns dizem aquilo; há tantas seitas e credos quanto o número de cabeças. Nenhum caipira é tão rude quanto aquele que tem sonhos e fantasias, e pensa por si mesmo que foi inspirado pelo Espírito Santo, devendo ser um profeta.
O fato é que Lutero, encurralado em sua tese sobre a salvação, tirou da cartola uma doutrina desastrosa: o sola scriptura. É desastrosa, pois nos deixa apenas com o texto, com a letra que se torna morta, pois é isolada daquilo que a vivifica. O texto pode ser interpretado e torcido de mil formas diferentes, como prova o caos doutrinário que se tornou o protestantismo em seus 500 anos de história.
Um Olhar ao Redor…
Dê uma volta em seu bairro e comprove por si mesmo a anarquia causada pela artimanha luterana. Em uma mesma rua você poderá encontrar reformados, luteranos, neopentecostais, adventistas, e o que mais a criatividade humana puder criar: há uma doutrina para cada gosto e, a melhor parte, você mesmo pode colocar sua criatividade em jogo e criar a sua!
Será que realmente devolvemos a autoridade para o Deus das Escrituras, ou a entregamos para o leitor das escrituras?
Gostou desse conteúdo? Aprofunde mais sobre o tema adquirindo a obra “Não Somente Pelas Escrituras“, de Robert Sungenis. A maior e mais completa obra sobre esta questão central, nas palavras de Peter Kreeft.
Autor do texto: Alessandro Demoner Ramos.